Fátima e as crianças em 2015

No meio da generalizada ignorância nacional sobre os acontecimentos de Fátima, em 1917, soubemos agora o que pensariam as crianças da idade dos três celebrados "videntes" se colocados em circunstâncias idênticas às de Lúcia e seus dois primos.

O resultado sugere um passo adiante na evolução do entendimento e da ponderação racional face à perceção cultural e religiosamente condicionada dos três protagonistas da Cova da Iria.Uma das inquiridas, de nome Maria, quando se chega à parte do "sol" que bailou (em 13 de outubro), vê-se que não quer contrariar o avô e confessa: "Acho um bocado impossível o sol dançar". Significa isto que as gerações mais jovens estão em condições de disputar dialeticamente a esfera da crença e do rumor partilhado e acriticamente aceite, como sucedeu em 1917.

De facto, torna-se indispensável lembrar que o grande responsável pela identificação imediata e inequívoca da "dama vestida de branco" foi António da Silva, tio da vidente Jacinta Marto, logo que Lúcia confessou a "visão" em casa. "Se os cachopos viram uma mulher vestida de branco, quem poderia ser senão Nossa Senhora?" - argumentou o bom homem na sua acrisolada fé a priori pondo em marcha um incontrolável rumor local, com os efeitos de todos conhecidos.

O efeito de tal "proclamação" foi imediato e, nos meses seguintes, os curiosos das "aparições" foram confrontados com pagelas que ali circulavam ilustradas com o ícone clássico de... Nossa Senhora! Antes de toda e qualquer investigação ou inquérito testemunhal.
Hoje, provavelmente, a citada Maria, dotada de telemóvel, perante um fenómeno similar, estaria em condições de contrariar e disputar a absoluta convicção de António da Silva: poderia a fotografia obtida revelar-se um borrão, sem contornos, mas ensinaria o convicto avô a desconfiar das ciladas cognitivas da cultura dominante em cada época e de cada lugar.

É bem possível que, tal como as eventuais "intuições" e sensibilidades das crianças hajam sido fatalmente interpretadas pela esfera do religioso, há um século, é provável que esses atributos possam vir a doravante abrir novos domínios das ciências da consciência e das suas ainda ignoradas potencialidades.
Não perceber isto é fazer de conta e viver fora deste planeta.
Os jovens estão em condições de disputar dialeticamente a esfera do rumor partilhado e acriticamente aceite, como sucedeu em 1917.

JOAQUIM FERNANDES, HISTORIADOR