A recepção do fenómeno ovni na imprensa portuguesa
Os jornais portugueses não se mostraram indiferentes às notícias que, com crescente insistência, as agencias noticiosas internacionais começaram a difundir a partir de 1946, relatando sucessivas observações de estranhos engenhos nos céus do planeta.
Cerca de um ano antes de os clássicos objectos discoidais terem sido notificados por Kenneth Arnold e popularizados pela configuração mítica do ”disco voador”, já a Europa fora palco privilegiado de múltiplas observações aéreas de engenhos em forma de foguete ou míssil. Os paises escandinavos constituíram então, com especial incidência nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 1946, o observatório ideal, onde as testemunhas, de olhos no céu, começaram a ver passar nas alturas novos artefactos de uma tecnologia desconhecida.
A primeira notícia dessas inesperadas aparições, distribuída pela agencia Reuter, foi discretamente inserida nas edições de 11 de Julho de 1946 de dois diários portugueses, por sinal de reduzida circulação. O jornal A Voz, publicado em Lisboa, um diário de inspiração católica, editou a informação na pág.6, a uma coluna, com o título ”Luzes no céu”. Por seu turno, o Correio do Minho, editado em Braga, publicação marcadamente regionalista, reproduziu o mesmo texto na pág.3 na rubrica ”Os acontecimentos”, também a uma coluna, com o título ”Fenómenos astronómicos na Suécia”. O trabalho da Reuter dizia o seguinte:
Estocolmo, 10 – Luzes que se vêem no céu e parecem ser meteoros, que tem sido observadas em várias partes do país, estão intrigando o povo da Suécia. Ainda não foi dada qualquer explicação verosímil, embora fenómenos semelhantes se tenham anteriormente observado, verificando-se sempre serem de origem astronómica.
No dia imediato, seria a vez de outro periódico, relativamente modesto, o diário lisboeta Vitória, emparceirar com os jornais anteriores, noticiando a continuidade do ”mistério nórdico”, titulando a quatro colunas ”Projécteis desconhecidos caíram na Suécia”. A informação da Reuter explicava que ”o correspondente em Estocolmo do Daily Mail informara que um projéctil com a forma de um charuto, dirigido pela rádio, caiu ontem na praia de Sundsvall”. Nos destroços teria sido encontrado ”um pequeno cilindro de papel de forma quadriculada, apresentando um dos fragmentos desse papel algumas marcas”. O correspondente do jornal britânico fornecia ainda detalhes acerca da velocidade calculada do engenho (cerca de 185 km/hora) da dimensão da ”cauda” (cerca de 40 m) e da produção, durante o voo, ”de uma luz extremamente forte que ofuscava o Sol”. A notícia terminava assegurando que ”o metal desta arma é tão leve que flutua na água”.
Em Agosto do mesmo ano, os restantes jornais portugueses, na sua generalidade, passam a transcrever os principais despachos das agências, que prosseguem a descrição dos avistamentos dos enigmáticos engenhos. Agora, também a Grécia, França, Áustria e Holanda passam a verificar com os seus próprios olhos o que espantou os seus vizinhos do Norte.
As informações mais detalhadas passam a ter honras de primeira página em alguns jornais nacionais, e a revista semanal Vida Mundial abria a primeira página da sua edição de 14 de Setembro seguinte com uma fotografia de um dos ”meteoros misteriosos” sobre a Suécia. O engenho fora foto- grafado por um amador, Erik Reuterswaerd, ao passar sobre uma das ilhas em frente a Estocolmo. A legenda é definitiva: ”Trata-se de foguetões do tipo V1 e V2 – as famosas armas do arsenal nazi –, mas ninguém sabe de onde partem”, acautela o semanário.
O texto publicado pelo semanário é um exclusivo do Daily Express, de Londres, assinado pelo jornalista Chap- man Pincher, o qual, citando as autoridades suecas, não duvida, por seu turno, de que ”as bombas são lançadas por cientistas russos de uma estação experimental em Peenemünde, na Prússia Oriental”.
Estas referências a ”pista alemã” relativamente à origem e procedência dos estranhos ”meteoros”, haviam sido igualmente equacionadas numa investigação do jornalista Alexandre Clifford, o já citado correspondente do Daily’ Mail. Entre nós, esse trabalho não foi ignorado pela imprensa escrita, e, por exemplo, o Diário de Coimbra de 4 de Setembro chama o assunto a primeira página com um prolixo título a duas colunas: ”Os foguetes misteriosos que passam sobre a Suécia serão russos ou alemães? (sublinhado no original). Põe-se a hipótese de esses aparelhos serem guiados pela rádio e regressarem à base.”
De um modo geral, a linguagem dos jornais portugueses, face a este primeiro assomo de ”enigmas celestes”, segue estritamente as indicações das agências, sem comentários dos redactores. O vocabulário essencial, transcrito nos títulos das notícias, fornece-nos um núcleo de hipóteses explicativas. A princípio, como se viu, esboça-se uma versão inicial de ”fenómenos astronómicos” ou ”luzes no céu” que não resiste as segundas informações. Assim, as definições utilizadas pelos nossos periódicos abrangem um vasto leque de referentes: ”foguetões misteriosos” – o eleito -, ”projécteis desconheciclos”, ”fenómenos celestes”, ”meteoros misteriosos”, ”foguete fantasma”, ”bomba foguete”, são os mais comuns.
Globalmente, os jornais portugueses aceitaram, sem grandes lampejos críticos, as informações que as agências internacionais lhes fizeram chegar a propósito dos ”misteriosos foguetões”. Contudo, e sendo a excepção que confirma a regra, houve um periódico modesto, publicado em Torres Novas, o semanário O Almonda, que glosou o mote dos ”foguetes” em três pequenos textos inseridos na rubrica ”Ecos e comentários”. Talvez se esperasse que o tema dos enigmáticos mísseis pudesse preocupar e inspirar os senhores da pena nas redacções mais cosmopolitas. Mas, afinal, quem reagiu foi o voluntarioso proprietário-redactor de uma ”folha” quase anónima daquele rincão ribatejano. Na edição de 24 de Agosto, na primeira página, escreve:
Foguetes – Não queremos referir-nos aos das festas que nesta quadra do ano estoiram por essas aldeias e são a alegria do povo, e de mais sem ser povo. Referimo-nos a um novo tipo de foguete que tem aparecido a cruzar os ares em certas terras do Norte, sobretudo Suécia. Muita gente tem visto uns foguetões enormes que vem não se sabe de onde e explodem ao cair, e fazem um grande clarão no céu quando passam. Os povos daqueles sítios andam intrigados com tais foguetões e supõem tratar-se de um novo tipo de bomba em experiência para quando nova guerra rebentar. Ainda as potências estão em conferência a tratar da paz e já se preparam armas de ataque para nova guerra. As nações a jogarem busca-pés umas as outras. Vai ser lindo!
Os foguetões misteriosos chegam a Portugal
O nosso país iria ainda comparticipar, enquanto observador directo, da vaga de foguetões fantasmas. Embora tardiamente, também o território português iria ser sobrevoado pelos intrigantes bólides. O mês de Setembro parece ter sido o tempo ideial para tais incursões, e a elas dizem respeito duas noticias. O Diário de Notícias do dia 18 do referido mês, na pág.5 e na secção ”Últimas Noticias”, titulava interrogativamente a informação da agência portu- guesa Lusitânia: ”O que terá sido?”:
Viana do Castelo, 17 – Pouco depois das 11 horas, passou sobre esta cidade, na direcção norte-sul, um corpo luminoso maior e mais brilhante que um estrela e com rasto fosforescente.
O caso causou estranheza e tornou-se assunto de todas as conversas, não faltando quem fosse da opinião que se tratava de alguns foguetões misteriosos a que a imprensa se tem referido nos últimos dias.
No mesmo dia, o já citado jornal Vitória encarregava-se de dar razão às observações dos Minhotos, noticiando na pág.8, com o título ”Foguetões misteriosos nos céus do Porto?”’, uma reivindicada detecção dos misteriosos engenhos nos céus portuenses:
Porto, 17 – Segundo informações de pessoas que merecem todo o crédito, no céu do Porto apareceram, ontem à noite, alguns foguetões misteriosos, com rapidez diabólica e com rasto luminoso, que breve desapareceram. Segundo as mesmas pessoas, esses foguetões surgiram junto ao mar, na direcção sul-norte. Tratar-se-á do mesmo fenómeno que tem sido assinalado pelas agências estrangeiras? Por certo, logo à noite, não faltarão curiosos a ver se o fenómeno se repete...
Embora contraditórias quanto ao sentido tomado pelos ”foguetes”, ambas as informações parecem confirmar-se entre si. O facto de o Porto ter sido palco de eventuais evoluções dos engenhos não foi suficiente para que alguém as tenha denunciado aos jornais da cidade. Foi antes um diário da capital, por suposta iniciativa das testemunhas, a reportar a ocorrência do sobrevoo numa data que, pelo menos ao nível da imprensa escrita, marcaria a entrada do nosso pais para o ”clube” dos visitados pelos engenhos voa- dores ...
O caso Roswell na imprensa Portuguesa
O caso mais mediatizado da fenomenologia ovni a nível mundial é o chamado incidente de Roswell, no Novo México, EUA. Em suma, no dia 4 de Julho de 1947 um engenho aéreo despenhou-se nos terrenos de um rancho nas proximidades da Base Militar de Roswell. Segundo algumas alegações, o objecto voador seria de origem extraterrestre e do seu interior teriam sido resgatados alguns corpos de entidades alienígenas. A Força Aérea Norte-Americana, por seu turno, viria a esclarecer, em 1996, que os destroços encontrados no deserto pertenceriam a um balão do projecto secreto Mogul, destinado a obter informações sobre explosões atómicas soviéticas.
Muito se escreveu e continua a escrever sobre tão resistente controvérsia, que parece passar ao lado de quais- quer elementos racionais e viver exclusivamente do imaginário humano e da teia de rumores que povoam os canais da comunicação global nos nossos dias. Certezas definitivas não se pode dizer que existam, mas o caso de Roswell está eventualmente condenado a um beco sem saída para ambos os argumentos em disputa: engenho voador terrestre ou nave espacial alienígena.
Como reagiu a imprensa portuguesa da época as primeiras notícias do caso Roswell e dos acontecimentos similares que se lhe seguiram nos tempos mais próximos?
Recorde-se que os jornais nacionais haviam sido despertados poucos dias antes, a 24 de Junho, para um tema inédito em matéria noticiosa que implicava um ajustamento da agenda de prioridades informativas: a observação dos ”discos voadores” por Kenneth Arnold.
A noticia inicial inserta nas edições da comunicaçã escrita portuguesa refere-se às afirmações do brigadeiro Ro- ger Ramey, comandante do 8.º Corpo da Aviação do Exército, que desmentia a informação do Rowell Daily Record de 8 de Julho, segundo a qual os militares haviam capturado um ”disco voador” nos terrenos do rancheiro McBrazel.
O Diário de Notícias, por exemplo, dava conta do desmentido na sua edição de 10 de Julho de 1947, mas remeteu-o para a sua habitual pág.5, dedicada ao noticiário ”Pelo Estrangeiro”, numa discreta coluna. O telegrama das agencias Reuter e United Press garantia que o mistério havia sido elucidado, e o DN titulava, sem quaisquer dúvidas: ”Está desvendado o mistério dos «discos voadores»”. Uma afirmação generalista que tomava a explicação do incidente de Roswell – a primeira versão foi a de um balão meteorológico - pela totalidade do problema dos objectos voadores não-identificados.
Aliás, o jornal dirigido por Augusto de Castro é obrigado a reavaliar a questão logo na edição do dia seguinte. Voltando ao tema no local habitual, mas agora com algum espaço suplementar, o Diário de Notícias dá conta de novas informações relativas aos controversos engenhos voadores: o denotativo título ”Os misteriosos «discos voadores» continuam a voar sobre várias regiões dos Estados Unidos” e o pós-titulo ”As informações acerca dos estranhos engenhos são as mais desencontradas” reflectem bem o estado de impasse e dúvida imposto pelas notícias posteriores.
Uma das consequências mais curiosas que acompanham a emergência deste inédito fenómeno aeroespacial é a recuperação do tema ”disco voador” como fonte inspiradora do humor e da publicidade, por exemplo. Essas adaptações, que provam a capacidade plástica da imaginação a novos estímulos, foram seguidas com atenção, e logo depois com réplicas bem conseguidas, pela generalidade da imprensa portuguesa.
O Jornal de Notícias, por exemplo, difundiu na sua edição de 14 de Julho, poucos dias depois da primeira denúncia do caso Roswell, uma informação acerca do oportunismo publicitário em redor do tema: ”O «disco voador» já serve de reclamo.” A notícia provinha de Filadélfia e dizia que ”um estabelecimento desta cidade publicara um anúncio em que oferecia um prémio de 5000 euros pela entrega de um «pires voador» (a tradução portuguesa do vocábulo saucer ) em estado de «vivo ou morto»”. A idéia era provar que o referido estabelecimento possuía o maior e mais completo sortido de ”pires” (suporte da chávena ... ) de todos os Estados Unidos ...
Como se depreende, o tema constituiu desde logo, pelo seu inesperado ineditismo, um suporte ideal para as mais ingénuas conotações, que a publicidade da época de imediato não desperdiçou. E fê-lo expondo o desajustamento da consciência humana relativamente a complexidade e implicações do desconhecido, amenizando inconsciente- mente o seu impacte pela caricatura e o absurdo, elementos básicos das situações humorísticas.
Ultrapassado o primeiro momento da mundialização do novo fenómeno, constituído pelos dois episódios aqui evocados – a observação de Arnold e o caso de Roswell -, a imprensa portuguesa iria retomar a normalidade da sua agenda. A questão dos ”discos voadores” não foi privilegiada nas suas páginas, até porque, como vimos, os jornais nacionais dependeram do serviço das agências noticiosas internacionais. A eleição e interpretação do tópico, em termos jornalísticos, ficou a dever-se à sua relação indirecta com as sequelas tecnológicas aeronáuticas da II Guerra Mundial e do ambiente ”conspirativo” do início da ”guerra fria”.
Apenas em 1950 o periodismo português relançaria o problema. Com destaque crescente a partir do momento em que o País passaria, também ele, a fornecer a base testemunhal primária dos mesmos fenómenos, até aí ”impor- tados”. A imprensa nacional iria, a partir desse ano, reintroduzir na cultura popular urbana uma das componentes míticas mais sugestivas da ficção e do imaginário científicos: o clássico ”marciano”, saído da pena de H. G. Wells em 1898 e reanimado como entidade plausível e invasora da Terra por Orson Welles na sua célebre montagem radiofónica de A Guerra dos Mundos em 1938.
Assim, em 30 de Março de 1950, o nacionalíssimo Diário da Manhã, por exemplo, titulava a duas colunas: ”Os discos voadores avistados em vários pontos do Globo não são ilusão e procedem de Marte – diz um cientista americano.” E reproduz, agora com mais detalhe, informações de avistamentos desses enigmáticos engenhos de Israel ao Brasil, passando por Espanha.
O sóbrio Diário de Noticias não perde o ensejo para colocar no espaço superior direito da sua primeira página, em 5 de Abril desse mesmo ano, a notícia, a duas colunas, que ”Lisboa viu ontem um «disco voador», segundo afirmam muitas testemunhas do fenómeno”. Acredita-se na boa fé e nos olhos do cidadão comum, embora não se deixe de referir que ”o Observatório Astronómico não conseguiu localizá-lo”. Como se um corpo aeronáutico na atmosfera terrestre fosse passível de ser interceptado com facilidade pelos longos ”olhos” das lunetas astronómicas ...
Uma nota bem pitoresca e nacional iria marcar esta nova fase do tratamento mediático dos ”discos voadores” entre nós. É consabido que, em matéria de estranheza, de insólito, de ”nunca visto”, há uma localidade portuguesa que ganhou crédito. O Entroncamento, fatalmente, dir-se-ia, seria a localidade portuguesa onde, segundo o DN, possivelmente um cidadão nacional testemunhou, no dia 22 de Março de 1950, as primícias das tão faladas aeroformas e das suas evoluções. Ainda por cima, a testemunha era sargento mecãnico da Base Aérea de Souto e saberia, melhor do que os seus concidadãos, distinguir uma aeronave ordinária daquilo que definiu como sendo ”um disco que, com movimentos circulares, marchava vertiginosamentc a uns mil metros de altura na direcção oeste-este”.
O ”disco voador”, e logo a seguir os ”marcianos”, no dealbar da década de 50, constitui-se em mote inspirador de releituras plurais, da publicidade à estética, ao fait divers de ilustração e legenda, chegando a inspirar editoriais políticos – veja-se o Diário de Notícias de 18 de Abril de 1954 e o artigo ”Os discos que não são voadores”, e até os cartoons de um grande caricaturista português, Stuart Carvalhais.
De um modo geral, os fenómenos extraordinários aeroespaciais e as suas recriações míticas das culturas contemporâneas tem sido tratados de forma redutora nos meios de comunicação nacionais, seguindo, aliás, a tendência global dos mass media. O tema ”disco voador” foi acolhido e amparado por um tema polar coerente e cognitivamente estável: o pós-guerra e as suas consequências na fase que acabámos de analisar.
A opinião dos cientistas portugueses
Cientista e comunicador bem conhecido, o Prof. F. Carvalho Rodrigues, docente do Instituto Superior Técnico e investigador do INETI, responsável pelo primeiro satélite português, tem uma opinião sobre os fenómenos aeroespaciais não-identificados. Introduz a questão citando uma frase de Albert Camus: ”Passamos a vida a tentar racionalizar para que a vida não pareça absurda.”
Aquele especialista das tecnologias da informação observa que ”temos de fazer medidas de crença de tudo e também dos fenómenos fora do contexto e de frequência restrita. O número desses acontecimentos é ainda pequeno e nós somos seres com uma memória que necessita de repetição. Sem isso, não entendemos esses fenómenos e, portanto, não somos capazes de os racionalizar. De onde a atitude mais fácil é rejeitá-los, considerando-os inexistentes”.
Para o cientista, a comunidade académica, corporativamente entendida, exprime uma espécie de ”sentimento puro” de receio face a fenómenos tipo ovni excluídos da mainstreamn science. Chama a atenção para o facto de sermos ”seres audiovisuais comandados pelo sentimento”. O entendimento de alguns fenómenos-limite passa, segundo F. Carvalho Rodrigues, pela aquisição de uma ”chave”, idêntica à ”Pedra de Roseta” da arqueologia. ”Talvez então possamos entender outras linguagens ...”
Que previsão de futuras leituras físicas e abordagens dos fenómenos ovni quando se fala de crise de paradigmas científicos? ”Julgo que poderá vir a surgir algo de novo entre a biologia e a psicologia. A ideologia que tinha por base a racionalidade pura chegou ao fim, aos seus limites”, considera o investigador. Tirar? ”Os investigadores destes fenómenos extraordinários não tem que se sentir envergonhados por não terem a «chave», porque em muitas áreas científicas e em situações humanas também se desconhece a forma como acontecem as coisas.”
O cientista manifesta-se ”muito satisfeito por ter participado no processamento de imagem das fotografias do caso de Alfena”, uma das mais impressivas ocorrências de um objecto voador não-identificado ocorrida em território português, analisada pela Comissão Nacional de Investigação do Fenómeno OVNI (CNIFO) e cujos resultados foram publicados no seu anuário Anomalia (vol. 2, 1994).
Por sua vez, o Prof. J. Ferreira da Silva, catedrático de Física da Faculdade de Ciências do Porto, aponta as observações e registos de pilotos civis e militares como ”um poderoso argumento a favor da materialidade de um fenómeno desconhecido, qualquer que seja a sua natureza”.
A sua opinião é fundamentada em estudos credíveis, como o que foi realizado pelo Dr. Richard F. Haines, especialista de Psicologia da Visão e investigador do Ames Research Center, da NASA, que compilou intrigantes parâmetros de interferência física entre fenómenos aéreos anómalos e instrumentos de bordo de aeronaves em 56 casos de observação analisados.
J. Ferreira da Silva, citando o relatório do cientista norte-americano em comunicarção apresentada num colóquio promovido pela CNIFO e que teve lugar na Faculdade de Letras do Porto em Outubro de 1993, regista que ”a maior parte dos fenómenos descritos são de natureza física – luminescências, imobilidade sem sustentação aparente, enormes acelerações, manifestações electromagnéticas, etc.”, assinalando como de particular interesse as ”perturbações sofridas pelos instrumentos de bordo (bússolas, giro-compassos, rádio), apresentadas como efeitos da proximidade dos objectos insólitos observados pelos pilotos”.
No que respeita a hipóteses explicativas correntes para essas perturbações, dentro dos métodos e meios conhecidos da ciência e técnica actuais, J. Ferreira da Silva observa; ”As tentativas feitas em laboratório para replicar, com campos magnéticos de intensidade conhecida, os efeitos rotativos observados nas agulhas magnéticas de bordo das aeronaves levaram à conclusão de que a intensidade do campo magnético necessária para produzir tais resultados era da ordem dos 8 milhões de graus, valor que excede de longe o máximo conseguido até hoje pelos investigadores.”
O cientista é de opinião que este tipo de fenomenologia, retratada no inventário do Dr. Haines, ”representa um desafio à imaginação do cientista que deixa a perder de vista o arrojo imaginativo de um Júlio Verne ou H. G. Wells”.
Para um grande contingente de fenómenos luminosos atmosféricos, alguns cientistas tem sugerido interessantes hipóteses explicativas, mais prosaicas e com nexos lógicos. Por exemplo, José Fernando Monteiro, investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa, dá especial atenção às correlações desses fenómenos luminosos com movimentos tectónicos associados a grandes sismos, que actuariam como fontes geradoras dessas luminescências, cujo comportamento impressiona mesmo assim os eventuais observadores.
Na esteira de outros cientistas, como Michael Persinger, da Laurentian University, do Ontário, o investigador observa que ”a maior parte das observações de luminosidades aéreas correspondem a evidentes interpretações deturpadas de fenómenos atmosféricos ou astronómicos, quando não se trata de fantasias ou mistificações”. Chama a atenção para a necessidade de se ”começar a conceber explicações mais simples, ou seja, uma origem terrestre ou humana, antes de formular hipóteses mais exóticas”.
Com base na neotectónica de Portugal, e socorrendo-se do registo histórico de ”cometas” e ”luzes no céu”, J. Fernando Monteiro compôs um sugestivo quadro de hipóteses telúricas como causa de anomalias luminosas na atmosfera; essencialmente, de acordo com esta tese, produzir-se-ia uma libertação de energias, fruto da actividade sísmica, onde interviriam o chamado efeito piezoeléctrico (provocado pelo quartzo das rochas), associado a incandescência de gases, radiação por ionização local da atmosfera e uma dinâmica da ”luz sísmica” aparentada à das ball lightning, relativamente conformada à topografia local.
Os últimos 25 anos
Um pequeno país não significa obrigatoriamente pequenez de idéias e actos. Comparsa indissociável de Espanha no espaço ibérico, Portugal tem sido cenário de alguns eventos que, em termos qualitativos, podemos reputar de clássicos e que não são nem mais nem menos importantes no conjunto da amostragem típica da fenomenologia dos ”não-identificados” a nível mundial.
A projecção e a participação internacionais do labor investigativo português nesta classe de fenómenos atípicos e de contornos imprecisos têm sido determinadas pela secundarização da língua portuguesa no contexto da comunicação e difusão das idéias em termos planetários. Falado por mais de 200 milhões pessoas nos diferentes continentes, o português não dispõe do estatuto do inglês – o latim da nossa contemporaneidade – e perde também com o castelhano, apesar das consonâncias orais entre ambos.
Deste modo, justifica-se a quase total ausência dos quadros sistemáticos e dos catálogos da casuística global de casos ocorridos em território português, incluindo as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, além das antigas colónias africanas, com destaque para Angola e Moçambique. Do que tem sido publicado, em termos comerciais ou com alguma expressão nos circuitos bibliográficos destas temáticas, o trabalho de V.J. Ballester Olmos, editado em 1972 com o título Los fenomenos del Tipo I en España y Portugal, com a participação de Jacques Vallée, constituiu a saída deste pequeno rectângulo. Neste compêndio do investigador valenciano, meia dúzia de situações ocorridas em Portugal, na generalidade recolhidas de fontes secundárias, ficaram a marcar a entrada do território luso no palco universal dos acontecimentos ditos inexplicáveis. Mais tarde, e graças a um esforço continuado de cooperação entre alguns investigadores portugueses, agrupados no então CEAFI e depois na CNIFO, com os nossos colegas do país vizinho, foi possível reunir um contributo bem mais representativo e depurado, em termos qualitativos, relativamente a casos de relatos tipo ovni em Portugal numa outra obra de V.J. Ballester Olmos com J. A. Fernández, intitulada Enciclopedia de los encuentros cercanos com ovnis, publicada em 1987. Aí, sim, a imagem da ufologia lusa assumiu alguma relevância, pelo menos na paisagem da fenomenologia aérea peninsular.
Pouco mais de 20 anos acrescidos a grande explosão de interesse público pelas manifestações tipo ovni que se seguiu à Revolução do 25 de Abril de 1974, importa fazer um balanço não-detinitivo dos contornos da investigação actual destes tópicos, que continuam a ser marcados no quotidiano social pelos extremismos entre rejeição ou paixão. Evidentemente que não cabe nos limites e precisões deste artigo um esboço da história social do fenómeno ovni em Portugal nos moldes seguidos por Ignacio Cabria Garcia em relação a Espanha. Uma tarefa necessária que requer outra disponibilidade e fôlego e que, pessoalmente, pensamos vir a concretizar, por exemplo, no quadro curricular do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Fernando Pessoa, no Porto.
Amadores vs. profissionais, informação vs. sensação
Como em qualquer outro país, também em Portugal os investigadores sensibilizados para este tipo de fenomelologia podem ser divididos em dois grupos: os amadores, desde sempre incondicionais apaixonados pelas perspectivas mais fantásticas do ovni (leia-se ”objecto-nave espacial de natureza extraterrestre”) e que fazem apelo à intuição e às idéias a priori, os ”profissionais”, ou ”técnicos”, cuja formação e responsabilidade académica e cultural, na sua pluralidade, os situa (ou deve situá-los) numa escala de exigência, prudência e verificação muito diversa do primeiro escalão, mas que não se confunde (ou não deve confundir-se) com obstrucionismo ou dogmatismo.
Em Portugal, esta dicotomia é tão-somente o reflexo de uma realidade social que diz respeito ao heterogéneo universo de investigadores – estudantes do fenómeno ovni, enquanto agentes activos (ainda que ”marginais”) na produção e divulgação de informações obtidas dos testemunhos reunidos e analisados no decurso do seu trabalho de campo.
Os tópicos relacionados com o tema dos ”não-identificados” não escapam à ingerência episódica, mas actuante e influente, diríamos mesmo decisiva, dos meios de comunicação social na opinião pública, que acentuam preferentemente os aspectos anedóticos e desprezam as informações técnicas e as referências de intervenção científica e as abordagens críticas dessas manifestações aeroespaciais singulares e inerentes experiências humanas. A superficialidade é a regra, o aprofundamento, a excepção, cabendo aos editores da imprensa periódica popular, dos” como autentico fast food para consumir e descartar. Recentemente, foi-nos solicitada por uma revista da ”sociedademagazines, etc., o papel ”inquisitorial” que determina o grau de complexidade, ou melhor, de simplicidade, a que as suas massas leitoras têm direito nestes domínios do ”inexplicável”.
São esses guardiões do agenda-setting o derradeiro filtro dos ”apetites imediatos de qualquer grau” oferecidos na ementa dos ”mistérios” uma entrevista sobre a actualidade dos fenómenos tipo ovni em Portugal. Colocado perante a escolha do título da reportagem, o jornalista que nos pro- curou desde logo nos disse que o termo ”anomalias” seria posto de lado de imediato pelo editor. ”Não é apelativo”, justificou-se. O melhor que se conseguiu foi ”fenómenos ultraterrestres”...
A (quase) inexistência de jornalistas e cronistas especialmente sensibilizados para os temas científicos é uma carência que alastra nos media em todas as latitudes e perturba, de modo evidente e destacado, a informação, que se pretende, em termos de linguagem e conteúdo, tecnicamente objectiva e prudente, mas ao mesmo tempo despreconceituosa e descomprometida. O que se vê ordinariamente entre nós é o resultado de décadas de desinteresse cultural e de um desfasamento informativo face às propostas teóricas e experimentais mais ousadas dos centros de vanguarda investigativa universitária.
Dos tempos da euforia ao advento da maturidade
Quero afirmar com isto que o quadro de leitura e interesse em Portugal pela fenomenologia aeroespacial tipo ovni e similares se, por um lado, se foi restringindo e definhando desde o inicio da década de 80, por outra parte consolidou e refinou um leque maioritariamente resistente e mais consciente das potencialidades eventuais deste quadro de ”anomalias” espaciais, patente a partir da década de 90. Poderemos estabelecer uma sequência da sociabilização da fenomenologia tipo-ovni entre nós pela seguinte diacronia que a seguir sumareio:
1.ª fase: boom espectacular, a partir de meados de 1975, na esteira de uma evidente experimentação de ”temas proibidos” após a Revolução de 25 de Abril (isto é, o visionamento de filmes pornográficos alcança a plenitude da legitimação) e nos comportamentos globais antiautoridade. É todo um movimento social de rejeição inconsciente e automático, simultâneo ao esvaziamento dos antigos ideais e valores prosseguidos pelo Estado ditatorial de Oliveira Salazar e que culmina precisamente no chamado ”Verão quente” de 1975, que estilhaçou a sociedade portuguesa e a colocou a beira da guerra civil. É o momento-chave da ascensão e queda da tentação ”totalitária” das forças de esquerda e extrema-esquerda, acentuada após o insucesso do golpe militar da direita conservadora em 11 de Março desse mesmo ano, sob a direcção do general Spínola.
Regista-se o aparecimento do primeiro número da revista Insólito, editada pelo CEAFI (Centro de Estudos Astro- nómicos e de Fenómenos Insólitos) em Agosto de 1975: uma estreia feita de entusiasmo e escassos meios, em termos de impressão – 16 páginas em formato A4 e com duplicação por stencil! –, no interior da secção de reprografia do Instituto Superior de Engenharia do Porto, a que pertenciam, como alunos, alguns elementos do referido CEAFI; criação da rubrica semanal ”2001” no Jornal de Notícias, do Porto, um dos principais jornais nacionais, a partir de Maio desse ano, a cargo de Joaquim Fernandes; a partir de 1976, na esteira da Insólito, surge uma proliferação de boletins e pequenos jornais escolares artesanais dedicados ao tema ”ovni” e outros mistérios e enigmas do espaço, da responsabilidade de colectivos juvenis ad hoc; organizados em tempo lectivo e como extensões de dinâmica grupal em actividades paralelas. Mesmo ao nível politico-militar, a melhor prova da distensão psicológica global verificada na sociedade portuguesa, incluindo a componente castrense, neste período encontra-se na entrevista que a mesma revista Insólito (n.º 6, Novembro de 1975) publicou com o então brigadeiro José Lemos Ferreira, na qualidade de vice-chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Nesse texto, este oficial general descreveu em pormenor as incidências do avistamento de um objecto luminoso não-identificado por si e mais quatro pilotos da sua esquadrilha, em 4 de Setembro de 1957, no decurso de um voo de treino entre a Base da Ota e Cáceres, em Espanha. Uma disponibilidade e uma entrevista que seriam impensáveis pouco tempo antes. As limitações impostas à época da observação pela hierarquia militar do regime salazarista haviam impedido qualquer discussão ou investigação complementar do incidente fora do relatório militar oficial da época, conduzido – sublinhe-se este facto – ao abrigo da conhecida directriz AFR- 200, da USAF.
2.ª fase: a tiragem da revista lnsólito atinge os 10 000 exemplares em 1978, uma cifra surpreendente num país em que o ratio de leitura de jornais de grande informação ronda os 30/1000 habitantes!; o auge do envolvimento social na fruição desta temática envolve milhares de outros cidadãos que aceitam, em grande maioria, os postulados extraterrestres de 1.º grau na interpretação das origens e causas dos fenómenos que relatam; o mesmo acontece com os investigadores cativados pelo ideário ET simples, astronauticamente em estado puro; os membros do CEAFI desdobram-se em colóquios em escolas e associações culturais em praticamente todo o país: por exemplo, numa conferencia promovida na Faculdade de Engenharia do Porto em 27 de Março de 1976, a audiência ultrapassou o milhar de pessoas, que viram a primeira grande colecção de diapositivos sobre fenómenos ovni apresentada no nosso país; a realização do I Congresso Ibérico de Ovnilogia em Outubro desse ano, em que participaram ex-adeptos espanhóis e portugueses daquela hipótese – então dominadora face às restantes alternativas – ; como Felix Ares de Blas, por exemplo; é também o momento em que o planeta Vénus concorre grandemente para a excitação popular, estimulada pela amplificação acrítica dos meios de comunicação: as câmaras da RTP filmam o ”Ovni”-Vénus no seu ocaso a partir do litoral oeste, no Porto, enquanto os jornais, sem atender aos avisos do CEAFI, aumentam os défices de instrução astronómica e incentivam os mecanismos da percepção da psicologia colectiva e o número de relatos com base em pseudo-observações.
3.ª fase: os relatos de fenómenos ovni decaem dramaticamente a partir de 1981; a comunicação social abandona gradualmente a noticiabilidade dos factos ovni e o agenda-setting dos jornalistas vê desaparecer o tópico das suas prioridades, que resiste apenas por acção dos raros cronistas externos às redacções: casos de Fernando Fernandes e Cassiano Monteiro, no Primeiro de Janeiro (Porto), e de Maria do Rosário Marques, no semanário 0 Jornal (Lisboa), além da sobrevivente rubrica do autor destas linhas, ”2001”, já assinalada, que a mantém até 1985; jornalistas da ”velha guarda” portuguesa – como Álvaro da Silva e Sousa e o pioneiro Hugo Rocha, autor das primeiras obras em português sobre o tema ”ovni”, como 0 Enigma dos Discos Voadores ou a Maior Interrogação do Nosso Tempo (1951) e Outros Mundos, Outras Humanidades (1958) – que se haviam mostrado empenhados nas tarefas de divulgação dos ”discos voadores” e de um ideário ”extraterrestre” tout court deixam por esta altura a profissão activa.
4.ª fase: estagnação e reflexão da pequena comunidade investigativa portuguesa até 1984: o gradual desapareci- mento dos grupos de divulgação ad hoc, a nível do ensino secundário e o abandono do tema por parte dos meios de comunicação social acompanham o decréscimo de interesse do grande público. A degradação progressiva do impacte social do tema ”ovni” nesta fase poderia ligar-se indirectamente ao malogro de expectativas geradas pelos cidadãos ”não-iniciados”, nomeadamente na obtenção de resultados concretos e provas da natureza ET clássica para os fenómenos deste tipo. Esta convicção foi por diversas vezes confirmada por conversas pessoais com antigos subscritores de publicações populares que veiculavam singelas hipóteses ”extraterrestres” e se mostravam desiludidos com posturas mais reservadas e prudentes a propósito das causas e origens dos fenómenos tipo ovni; primeiras propostas de colaboração com a Guarda Nacional Republicana, a quem é sugerida a utilização de um questionário preliminar para relatos de observações aéreas anómalas.
5.ª fase: reanimação do panorama investigativo nacional a partir de 1984, com o lançamento da Comissão Nacional de Investigação do Fenómeno Ovni, que inicialmente assumiria uma vocação federalista de reagrupamento de unidades e pequenos núcIeos de interessados num trabalho mais profundo e ponderado de análise; pequenos sobressaltos e desacordos quanto à organização prática, a nível nacional, da estrutura da CNI- FO, integrando elementos de antigos grupos, fora de Lisboa e Porto; triagem e refinamento gradual de um corpo metodológico, ideológico e humano e superação da fase de crescimento intelectual e científico; abandono de posturas apriorísticas. A primeira versão da CNIFO mostrar-se-ia rapidamente inoperante, já que os diferentes ritmos e entendimentos gerados no interior da comissão impediram a concretização dos seus objectivos. Algo, no entanto, foi feito no que diz respeito à unificação de diversos catálogos e arquivos dispersos pelos vários agrupamentos da década de 70 e inícios de 80. Ainda que com critérios diferenciados, para além de sua duvidosa qualidade científica exploratória, esse manancial é, no mínimo, exemplificativo do trabalho de colecta de informação bruta em torno de manifestações associadas a fenómenos ovni. Algo haverá que ser feito em relação a uns quantos milhares de páginas adormecidas em pastas...
6.ª fase: reformulação, ou, se quisermos, segunda fundação, da CNIFO a partir de 1990 – 1991; recuperação de interessados e antigos associados do CEAFI e proposta de edição do anuário Anomalia, efectivamente lançado em 1994, mas referente a 1993; realização do já histórico Colóquio ”Fenómenos Não-Identificados – Mito, História e Ciência” na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em Outubro de 1993, com intervenções de docentes e investigadores universitários; continuidade do trabalho de persuasão levado a cabo em círculos académicos e oficiais e formação de um grupo de consultores científicos em crescente número e qualificação específica; princípios de colaboração com o Instituto de Meteorologia, aproximação à Força Aérea Portuguesa, facultada pelo interesse pessoal do então chefe do Estado Maior da FAP, general Conceição Silva: este oficial, nas suas anteriores funções de ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, havia já colaborado com a CNIFO, remetendo-nos diversos documentos oficiais relativos à participação de avistamentos de ovnis pelas entidades policiais das ilhas atlânticas.
Procede-se à renovação de contactos junto de pequenos núcleos científicos e organismos oficiais, civis e militares, em resposta a iniciativas dinamizadas pela CNIFO. De igual modo, o aparecimento do anuário Anomalia, enquanto publicação de perfil multidisciplinar, crítico e não-dogmático, recolhe a adesão de áreas leitoras dos estratos intelectuais médio e superior, obtendo um interessante acolhimento em áreas académicas e que vai levar à formação de um corpo de consultores científicos com 15 elementos das mais variadas formações. Registe-se, por exemplo, a alteração qualitativa do perfil dos leitores desta publicação – cerca de 200 -, iniciada em 1993, nomeadamente no crescendo de habilitações académicas de nível superior, que rondam os 70% da totalidade dos aderentes do anuário da CNIFO.
7.ª fase: a actual, em que assistimos à crescente captação e chamada de atenção da comunidade científica nacional para o problema dos fenómenos não-identificados, não apenas restritos ao ”clube” das aeroformas, mas reportados a uma constelação de questões alegadamente extraordinárias, singulares, que ainda não foram sistematizadas em exclusivo por qualquer disciplina científica: a fundação da nova Sociedade Portuguesa de Exploração Científica no passado dia 20 de Março de 1997, com forte implantação em diversos núcleos universitários e científicos nacionais, visa garantir novo suplemento de credibilização e alternativa ás interpretações redutoras quer da cultura de massa, quer de perspectivas confessionais de sinal contrário. Apesar das conhecidas dificuldades metodológicas e conceptualizadoras, julgo que o tema ”ovni” tem potencialidades para se tornar um objecto digno de ciência e da ciência.
Desideologizar e investir na universidade
Na situação corrente – e apesar do sobressalto anárquico favorecido pela vaga informativa incontrolável da Internet –, é possível antever o quadro em que, previsível e desejavelmente, poderá decorrer a investigação da temática ovni em Portugal. Julgamos que é viável um investimento sereno e naturalmente dignificado no âmbito académico, com recurso às habituais sinergias que o meio universitário pode proporcionar.
Deste modo, foi possível, por exemplo, proceder a um primeiro inquérito, estatisticamente representativo, a mais de um milhar de indivíduos de largas porções do País, tendo por alvo o programa sobre a pseudo-autópsia do ”alienígena” de Roswell, transmitido em 1 de Setembro de 1995 pela Radiotelevisão Portuguesa, a propósito do filme de Ray Santilli. O trabalho de campo foi concretizado pelos alunos do 1.º ano do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Fernando Pessoa, do Porto. Os seus resultados foram avaliados por especialistas de Antropologia e Sociologia daquela instituição de ensino superior e recentemente publicados no volume 4 do anuário Anomalia relativo a 1996.
Ainda no plano académico, é de salientar os recentes colóquios realizados quer na universidade onde leccionamos, quer na Faculdade de Ciências do Porto, com larga audiência de professores e investigadores, que puderam ser informados directamente dos problemas complexos que dizem respeito a este ”território” fenomenológico onde a lei ... é não haver leis. As reacções recebidas e os contactos regularmente estabelecidos nos fóruns académicos permitem acalentar esperanças fundamentadas na consciencialização de um cada vez maior número de investigadores e académicos para uma aproximação não-ideológica, não-confessional, ao vasto leque de questões que configuram o universo hoje crismado de ovni.
Numa outra área de actuação, o contacto com as entidades militares tem prosseguido com bons resultados. Depois de contactos pessoais realizados no final do ano de 1995 com o actual CEMFA, general Aleixo Corbal, graças ao empenho do nosso consultor, general Conceição Silva, colocámos em marcha princípios de colaboração com a Força Aérea, cujo comando máximo acedeu em distribuir pelas bases aéreas e outras unidades desta arma um questionário específico, com 20 páginas, para observações de fenómenos invulgares feitas por pilotos, adaptado do modelo que em Espanha foi aperfeiçoado por V. J. Ballester Olmos, com base no documento original, da. responsabilidade de Richard F. Haines.
O mesmo aconteceu relativamente à GNR (o equivalente à Guardia Civil espanhola), cujo comando, após entrevista com o actual comandante-geral, general Henrique Godinho, aceitou de bom grado difundir pelas cerca de 1000 unidades da corporação espalhada, pelo País um novo inquérito preliminar, com anexos específicos, para recolha das informações essenciais sobre fenómenos aeroespaciais extraordinários. Quando escrevemos estas linhas, havíamos já recebido da GNR um total de 13 questionários com informações de qualidade vária relativas a alegados avistamentos de fenómenos ovni, com destaque para o Centro e Sul do nosso país.
A disponibilidade de ambas as instituições militares citadas parece-nos uma prova de que é possível e desejável, sem dramatismos, anúncios espectaculares e especulações inócuas, obter cooperações e ajudas importantes, do ponto de vista material, para a melhoria da recepção e cobertura dos eventuais incidentes aeroespaciais que importa estudar nas melhores condições. Pensamos que esta situação traduz, sobretudo, um grande nível de confiança e boa fé nas capacidades da comunidade investigadora destes problemas.
Assumimos, enfim, que a exacerbação das paixões e disputas menores revela-se totalmente improdutível e inócua para um verdadeiro salto qualitativo na elucidação das questões que permanecem. O reforço da reflexão epistemológica aberta e do debate totalmente descomprometido deve ser capaz de atender ao problema número um que se coloca à ciência: exislt ou não um fenómeno original? A sua eventual natureza final (ou a sua hipotética impossibilidade ET ou outra) não deve ser motivo de desgraduação do esforço investigativo ou da sua menorização enquanto assunto digno de análise científica e problematização cultural.
O labor desenvolvido pelos investigadores portugueses tem-se perfilado numa necessidade prioritária de dignificação social e académica das experiências tipo ovni e num sentido de avaliação provisória e temporária das aquisições que vão fazendo.
Publicada por
Villa Maria
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