sábado, 3 de maio de 2008

Um planeta á defesa



Entrevista com Jonh Rummel, antigo chefe dos Homens de Negro

Os funcionários do Departamento de Protecção Planetária da NASA têm uma missão delicada nas mãos: não só evitar que formas extraterrestres se introduzam na Terra como também, garantir que o homem não contamine outros mundos.

Até há pouco tempo o cartão de visita de Jonh Rummel exibia o impressionante título de Oficial de Protecção Planetária.
O facto é que fora contratado pela NASA para defender a Terra de formas de vida extraterrestre…e vice – versa.
Agora, coordena o Programa de Astrobiologia da agência espacial, com um orçamento de 30 milhões de dólares.
Entre outras coisas, inclui o desenvolvimento de instrumentos que possam analisar o ADN em ambientes extremos para a vida.

Cuidado com eles, ETs!
O biólogo ambiental Jonh Rummel
Coordena os estudos da NASA em exobiologia
E investiga o possível desenvolvimento da vida
Em ambientes extremos, como Marte, por exemplo.

O que significa estar encarregado de proteger um planeta?
Faz – me lembrar o actor Tommy Lee Jones nos filmes da série Men in Black.
Por um lado, trata – se de garantir que não se introduzirá na Terra algum mini – alien escondido no uniforme de um astronauta ou uma sonda, para poder causar quem sabe desastres ambientais ou de saúde pública; por outro, não queremos alterar inadvertidamente com os nossos germes possíveis formas de vida extraterrestres.
Os homenzinhos verdes também tem direitos!
Imagine o que seria anunciar a descoberta de um micróbio em Marte e descobrir, depois que chegaram ali indo da Florida, levados por um dos nossos robôs!
Trabalhou então nas missões que se encontram agora em Marte.
Sim. A mais recente foi a Phoenix Mars Lander, que chegará ao destino em Maio e tem por missão explorar o Pólo Norte do planeta Vermelho.
O próximo projecto será o Mars Science Laboratory, o passo seguinte no programa de exploração marciana da NASA, que será lançado no Outono de 2009.
Um dos instrumentos que integra poder aquecer amostras de terra e examinar os vapores, pelo que será essencial para procurar compostos que contenham água e carbono.
Os objectivos científicos incluem saber se Marte foi, ou ainda é um meio capaz de albergar vida microbiana.
E o que faz para evitar que factores de contaminação terrestre possam chegar a outro planeta?
Primeiro é preciso determinar se o corpo celeste em questão pode ser contaminado e se isso teria, ou não consequências de ordem cientifica.
Se for o caso devemos limpar a nave cuidadosamente: em princípio, com um método tão básico como o álcool, mas também com peróxido de hidrogénio, que elimina os compostos químicos orgânicos.
Por vezes, recorre – se a medidas mais drásticas.
Por exemplo, as sondas das missões Viking enviadas a Marte na década de 1970 foram sujeitas a temperaturas muito elevadas durante 50 horas antes de partirem.
Assim eliminaram – se todos os micróbios de que nos lembramos na altura.
Hoje não é habitual irmos tão longe mas garantimos uma boa higiene dos equipamentos, também para evitarmos que os micro – organismos terrestres interfiram nas experiências que as naves transportam.
No entanto por exemplo, na “sala limpa” da empresa Astrotech, na Florida, onde se preparam as sondas interplanetárias, estive muito perto do aparelho com uma simples mascara e um fato especial.
Não poderia tê – lo contaminado com a minha respiração?
Sim. As naves não podem estar 100% livres a germes.
O propósito não é eliminar todos os micro – organismos, mas controlar as suas populações.
E o que usam para isso?
Equipamento de esterilização como as auto claves que se usam em cirurgia?
Não podemos utilizar auto claves, pois funcionam com vapor e precisamos de trabalhar em condições muito secas.
Usamos fornos especiais que geram uma temperatura de 52ºC.
Até que ponto sabemos se há ou não micróbios em Marte?
É possível que os haja, mas ainda não temos, na realidade informação concreta.
A superfície de Marte parece ser inanimada, hostil à vida que conhecemos.
A radiação a que está exposta acaba com tudo.
Todavia tenho o pressentimento de que poderá haver micróbios no subsolo.
E não é possível que caso existam, tenham lá sido colocados pelas nossas naves?
Não seria fácil, se tratasse de um simples impacto contra a superfície.
Em contra partida, seria mais preocupantes no caso das naves concebidas para se enterrarem mais de um par de metros.
Por exemplo, os micro – robôs Deep Space 2 preocupam – me muito mais do que a nave que os transportou, a Mars Polar Lander.
Em Dezembro de 1999, essa sonda não interpretou bem uma ordem quando estava a 40 metros de altura e despenhou – se.
É possível que os contentores das Deep Space 2 tenham caído e ficado enterrados à beira da calote polar, na zona do planeta mais propicia ao desenvolvimento da vida.
O que se passa de perfuração das novas sondas?
Não corremos os riscos dos nossos instrumentos de exploração se transformarem em instrumentos de contaminação?
Trata – se de um perigo muito real.
No entanto é possível procurar sinais de vida em Marte sem introduzir organismos com os nossos instrumentos.
Claro que existe uma certa probabilidade de contaminação, mas não creio que seja de maior do que a de Marte ter sido naturalmente alterado por algum meteorito que tivesse colidido previamente com a Terra e viajando até lá.
Essas colisões já ocorreram outras vezes não é verdade?
Sim, e podem voltar a acontecer.
De facto, a possibilidade de um corpo de grandes dimensões se precipitar sobre a Terra e colocar a rala humana em perigo de extinção é uma das grandes razões para Terraformar Marte.
Queremos pensar que teremos onde viver se este nos faltar, outro mundo que nos dê a oportunidade de sobreviver como civilização, se houver uma catástrofe.
Qual a sua opinião sobre a terra – formação do Planeta Vermelho?
Agrada – me a ideia.
Implica um exercício que nos permite contextualizar e visualizar a engenharia planetária a uma escala que nos ajuda, inclusivamente a compreender melhor o aquecimento global aqui na Terra.
Todavia, embora seja uma boa iniciativa ainda não se sabe muito bem como pô – la em prática.
Sim creio que é muito possível virmos a necessitar de outro planeta, mais cedo ou mais tarde, mas também não podemos mudar Marte de um momento para o outro.
Teremos de agir com sabedoria.
Quais as melhores zonas de Marte para procurar vida?
Sem dúvida que os barrancos e as ribanceiras por onde antes corriam Arroios.
É ai que se poderá encontrar vida subterrânea, digamos que a mais de cinco metros de profundidade no solo.
A ideia é enviar naves robotizadas que estejam também equipadas com mini – sondas.
Poderiam cobrir várias zonas do terreno em simultâneo e comunicar as descobertas à nave principal.
O que aconteceria à ideia de trazer amostras de terreno de Marte?
Obter amostras não só implica riscos biológicos como é uma tarefa muito exigente do ponto de vista tecnológico.
Por isso essas missões ainda não foram aprovadas.
A NASA tem planos para 2020, mas a Agencia Espacial Europeia “ESA” pretende enviar uma sonda com esse objectivo já em 2011.
Aprendemos algo com as missões Apollo à Lua quanto à fora de trazer amostras de rochas e do solo de outros planetas?
Sim. Aprendemos como não deve ser feito.
E aprendemos que não se deve misturar seres humanos com amostras.
Os primeiros astronautas a chegar a Marte vão regressar à Terra como heróis, mas de mãos vazias.
Traremos os espécimes separadamente, através de determinado tipo de robôs, para garantir que não se produza a menor contaminação.
Sabemos como adiciona-las e protege-las dos micróbios terrestres, mas também será preciso descobrir se integram uma componente genética e a sua reacção patogénica.
Se chegarmos finalmente a Marte e descobrirmos vida, poderá ocorrer algo semelhante ao que acontece no filme A Guerra dos Mundos, em que os invasores morreram infectados por bactérias terrestres?
É possível. Basicamente, é isso que acontece com as crianças quando vão para os infantários.
Se uma regressa a casa com gripe, acaba por contagiar toda a família.
Por isso antes de enviarmos uma missão a Marte teremos de planear a tarefa com todo o cuidado.
O que imagina que sucederá se um dia anunciarem que se descobriu vida lá em cima?
Terei de mudar o número do meu telemóvel!
Na realidade, o anúncio seria feito bastante tempo depois dos cientistas terem retirado as suas conclusões.
No entanto, o modo de lidar com a imprensa e o anúncio do acontecimento aos meios de comunicação também seriam desafios que teríamos de enfrentar.
Qual é o seu maior pesadelo em relação ao Planeta Vermelho?
Sem dúvidas, o de podermos contamina – lo involuntariamente.
Não seria irónico termos de admitir, quando decidíssemos Terraformar Marte, que as suas formas de vida eram produto da nossa própria contaminação?
Seria seguramente embaraçoso.
O que poderia vir acontecer se não o deixarmos trabalhar.
Haverá um cargo melhor do que o seu?
A certa altura dentro da sede principal da NASA, em Washington, um departamento conhecido por Divisão do Universo, onde se estudava tudo o que estivesse para além do Sistema Solar.
O responsável por esse departamento era nada mais, nada menos que o director do Universo!
Depois de uma reorganização ficamos com o actual título de oficial encarregado da Protecção Planetária, que agora pertence à minha colega Catherine Conley.
Para os astro – biólogos que estudam a possível existência de vida noutros mundos, as viagens interplanetárias não tem de ser exclusivas dos cometas ou das naves.
Não é descabido dizem, pensar que possa haver nos Espaço diminutos viajantes do cósmicos, minúsculos passageiros clandestinos ocultos nas pregas de um fato espacial, germes – cowboys montados em asteróides ou infelizes organismos deslocados à força pelas colisões entre objectos celestes.
Segundo a hipótese de panspermia, todas essas formas de vida poderiam ter andado a saltar de planeta em planeta, levadas daqui para acolá pela brutal meteorologia cósmica.
Vistas assim as coisas, a vida na Terra poderia perfeitamente provir de Marte…e vice-versa.
Ou talvez da Lua Europa, ou Titã.
Talvez o esporo com a centelha da vida tenha vindo da nuvem de Oort…
Para os especialistas que estudam a possibilidade de encontrar vida em Marte, as implicações desse fenómeno seriam astronómicas.
Se descobrissem vida marciana e esta revelasse aparentada com a da Terra, o nosso deixaria de ser o planeta eleito, o consequente escândalo religioso seria deveras interessante.
Uma coisa é certa: sabe – se que milhões de toneladas da superfície marciana foram e continuam a ser enviadas para o Espaço devido ao impacto de meteoritos.
De facto, estima – se que chovem sobre a Terra, anualmente, 500 quilos de rochas marcianas.
Algumas desintegram – se, mas outras atingem a superfície, e as que aterram sobre o manto branco da Antártida são fáceis de ver.
Foi ali, com efeito, que surgiu o ALH84001, em 1984, uma pedra marciana catapultada para primeiro plano pela NASA ao anunciarem a descoberta no seu interior de estruturas fósseis geradas pelo que podem ter sido micro – organismos.
Posteriormente, outros indícios parecem contrariar essa hipótese, mas a controvérsia sobre a possível descoberta das primeiras formas de vida extraterrestre continuam em aberto.
Recentemente uma equipe do Laboratório de Geofísica do Instituto Carnegie (Estados Unidos) mostrou que Marte pode produzir campos químicos ricos em carbono e hidrogénio, os elementos que formam a pedra angular da vida que desconhecemos.
Depois de estudarem minuciosamente o ALH84001, os cientistas concluíram que os compostos orgânicos não chegaram a Marte vindos do Espaço, mas formaram – se com base em reacções ocorridas no interior da própria rocha.

Medidas de Segurança

Agora, os exobiólogos interrogam – se sobre a possibilidade de a vida nativa marciana caso exista, poderá ser perigosa.
Isso é absolutamente impossível! Afirma o engenheiro planetário Robert Zubrin.
Cada micro – organismo está adaptado ao seu hospedeiro e a um meio ambiente específico.
No caso dos que provocam doenças ao ser humano, é o interior do nosso corpo ou do outro mamífero estreitamente relacionado connosco.
Os agentes patogénicos que nos afligem travam uma batalha continua contras as defesas biológicas desenvolvidas pelos nossos antepassados.
Um organismo que não tenha evoluído o suficiente para quebrar essas barreiras de protecção e sobreviver no inferno que é o nosso corpo não tem possibilidade de nos atacar com êxito.
É essa a razão, essencialmente, por que os seres humanos não são vítimas da doença do ulmeiro, e porque as árvores não apanham gripe.
Zubrin também acha absurda a hipótese de os micróbios marcianos poderem chegar á Terra para competir com os que já temos: É tão ridículo como pensar que um tubarão possa substituir os leões como predador dominante das planícies africanas.
E acrescenta que não faz sentido fazer tanto barulho em redor da questão da contaminação de Marte ou da Terra provocada pelo intercâmbio de amostras e sondas espaciais.
Todavia, para o astrobiólogo Jonh Rummel, é a posição de Zubrin que se torna absurda.
Não faz sentido rejeitar as precauções, em especial as que adoptamos para isolar as amostras trazidas de Marte; a verdade é que não devemos expor as pessoas e o meio ambiente a matéria cuja natureza desconhecemos em absoluto.
Mesmo que uma suposta forma de vida marciana estivesse relacionada com a nossa, nada nos garantiria total segurança ao manipula – la.
Zubrin assegura que cada organismo está adaptado ao seu meio.
Como explica então casos como o do micro – organismo Deinococcus Radiodurans, capaz de resistir a doses de radiação extremamente elevadas, que pode ser encontrado no Pólo Norte até aos tanques de refrigeração das centrais nucleares?
Eu diria que é quase como se um tubarão tivesse invadido as planícies africanas.
E que outros micróbios do género desconhecemos?
Rummel sublinha que, até há pouco tempo, não fazíamos a ideia da existência das bactérias extremofilas que vivem nas chaminés hidrotermais do fundo do mar ou das que habitam a milhares de metros de profundidade sob a crosta terrestre.
Marte é demasiado importante.
Devemos levar a cabo uma exploração responsável, pois é de uma boa manipulação das amostras que poderá depender encontramos ou não, formas de vida.

Artilharia antimicrobiana

Descobri – la é, precisamente, o que assusta os encarregados de zelar pelas matérias astrais do Centro Espacial Johnson, em Houston, que não estão seguros de a Terra estar preparada para acolher algo que contenha formas de vida alheias.
Sente – se preocupado, porque ninguém sabe como isolar integralmente as pedras marcianas.
A verdade é que um laboratório de contenção eficaz deveria combinar a tecnologia de bio – segurança desenvolvida para as guerras biológicas com a utilizada para construir as instalações estanques onde se fabricam os microchips.
Se quisermos conceber a câmara de armazenamento perfeita, por assim dizer seria preciso colocarmo –nos na pele de um micróbio.
Poderíamos impedir – lhe a passagem com fluxos de ar desinfectantes, filtros fornos e tudo instalado numa divisão isolada que ficasse, por sua vez, no interior de outras como um conjunto de matrioshkas.
No fim, quando acreditássemos que tínhamos pensado em tudo, haveria sempre algum técnico alerta: E o que acontecerá se a forma de vida marciana comer vidro ou conseguir nadar contra uma corrente de ar pressurizado?
Nunca podemos estar 100% seguros mas seríamos idiotas se não minimizássemos o risco de contaminação, diz Rummel, consciente de que a NASA tem pouco mais de uma década para decidir como irá alojar as amostras que pensa obter, por volta de 2020, da primeira missão consagrada a esse objectivo.

Endosporos espaciais

Enquanto esse momento não chega, a agencia espacial Norte Americana procura averiguar até que ponto um organismo poderá suportar os rigores de uma viagem espacial a bordo de um asteróide e sobreviver ao impacto contra um planeta.
Os recrutas da experiência são os endosporos, que estruturas celulares muito resistentes que determinadas bactérias possuem e cuja função principal é garantir a sua sobrevivência em períodos de stress ambiental.
Patrícia Fajardo e Wayne Nicholson, microbiólogos da Universidade da Florida, trabalham á 20 anos com endosporos.
Para demonstrar a forma de vida como poderiam resistir às velocidades elevadíssimas que experimentariam durante a queda de um meteorito na Terra, colocamos uma sonda vários pedaços de granito e com estirpes de uma bactéria terrestre bastante vulgar, o Bacillus subtilis, e lançaram – nos no Espaço.
A velocidade de reentrada foi de 1,2 quilómetros por segundo e a temperatura alcançou os 145ºC, revela Patricia Fajardo, durante uma visita ao Centro Espacial Kennedy.
Observamos que cerca de 4% conseguiram sobreviver.
Depois de submeter os endosporos a uma seria de experiências, estes mostravam suportar muito bem o calor, as alterações bruscas de temperatura, determinadas doses de radiação, a aceleração e agressões químicas.
Todavia a ausência de pressão, como a que existe em Marte, e radiação mais fortes acabavam com eles.
Por isso, embora pudessem , em teoria viajar sem protecção entre planetas, dificilmente sobreviveriam no meio ambiente marciano.
Seja como for, as implicações são extraordinárias: se um humilde endosporo consegue sobreviver a um impacto de semelhante envergadura, a Terra não poderá ser considerada um sistema biológico isolado.

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Nº 119 Março 2008
Transcrito por Nuno Alves

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